Nan Goldin’s The Hug, 1980

Nan Goldin, The Hug, 1980

A imagem “The Hug” de Nan Goldin regista um encontro, um momento de relacionamento. Esta é uma das premissas iniciais que é explorada no texto de Darsie Alexander (Alexander, 2005) e que serve também de ponto de partida para esta pequena análise.
Esse relacionamento é, numa primeira abordagem, de certa maneira reduzido aos dois “amantes” que se abraçam na imagem, numa proximidade que parece inquebrável e impossível de desafiar.
É possível, no entanto, talvez questionar se nesta imagem, o encontro se (só) dá entre os dois elementos que formam um casal, ou se não se estenderá também à própria Nan Goldin. A fotógrafa está ela própria também em interacção com a mulher, disputando a sua intimidade – a luz do flash, forte, imposta, agressiva, é o seu toque estendido, disputando a sua presença com o braço estendido que sai das sombras, de um terceiro personagem que fica de outro modo omisso. Tornam-se assim rivais, homem e fotógrafa, partilhando este momento de intimidade, e o abraço torna-se ambíguo.
Esta inserção da presença fotógrafa neste momento é algo de interessante na imagem. Voyerismo? Partilha? Empatia? Intrusão? Apropriação? Através da imagem, a intimidade do casal (da mulher?) é tomada por ela (lhe oferecida?) e tornada também sua. Nan Goldin regista um momento de intimidade de um outro, registando ao mesmo tempo a sua própria intimidade, o seu próprio desejo, a sua própria vida, presença, o seu abraço.
Quem são então os verdadeiros personagens desta história? Deste encontro?
Em primeiro lugar, a mulher. Esta permanece sem face, o seu corpo apenas, a sua figura, como expressão de um ser emocional entregando-se a uma partilha. Ela é ao mesmo tempo a figura de uma mulher, mas também um retrato da própria fotógrafa.
O homem desaparece na imagem, reduzido a um símbolo, a uma ideia. O seu braço expressa a sua presença como amante, possuidor, rival, num relacionamento que é ao mesmo tempo muito presente na imagem mas também muito ambíguo de significados.
Finalmente a própria fotografa que se apresenta numa dualidade de papéis. Por um lado ela é a criadora da imagem, fisicamente presente no espaço, aceite, a sua entrada e interacção é acção sentida tanto pelos habitantes da imagem como pelo observador, mas ela é também o objecto da própria imagem, representa-se a ela própria na pele e na vivência daquela mulher que é uma outra.
Não há uma contradição nesta ideia, pois o que é que pode representar uma vivência pessoal se não a soma dos nossos relacionamentos, das nossas interacções, das pessoas de cujas vivências também fazemos parte, e da nossa projecção sobre o mundo e sobre os outros? Somos definidos pelas pessoas que nos rodeiam e pela maneira como o mundo à nossa volta responde a nós. Projectamo-nos, inserimo-nos, pensamos, agimos, interagimos, agredimos.
Todo o nosso ser e as nossas acções existem através do reflexo que causam.
Esta ideia estende-se não só a esta imagem como a muitas outras fotografias da Nan Goldin (talvez à fotografia em geral?) – uma imagem transforma-se no testemunho de algo (Susan Sontag chamar-lhe-ia uma apropriação) e de uma vivência. É um reflexo, um registo, torna-se um substituto até.
Neste sentido, esta imagem, tal como todo o restante trabalho da autora, é um documento da sua vida, das suas emoções, e da sua existência através dos seus relacionamentos com as pessoas que a rodeiam, os seus amigos, amantes, abraços, rejeições, agressões, desejos, desesperos, libertações, em resumo, de si própria.

Bibliografia
Alexander, Darsie (2005), The Hug, New York City, 1980 in Howarth, Sophie (ed.) (2005), Singular Images: Essays on Remarkable Photographs, London, Tate Publishing